sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Lei Geral da Copa de 2014: vale tudo para os megaeventos?

O ministro dos Esportes, Aldo Rebelo (PCdoB), anda dizendo à imprensa que a Lei Geral da Copa será aprovada em Março. Veja o que é esta lei e que ela significa: desrespeito à legislação brasileira e aos direitos da população, no artigo da arquiteta e integrante do Comitê Popular da Copa em Porto Alegre, Claudia Fávaro.


Tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei Geral da Copa (PL nº. 2330/2011), que dispõe sobre medidas relativas à Copa das Confederações de 2013 e à Copa do Mundo de 2014 no Brasil. O projeto cria um contexto de exceção, já que faz alterações legais e administrativas de caráter excepcional. Também atenta frontalmente contra os interesses nacionais, tudo em benefício da FIFA (federação internacional de futebol), que é uma entidade privada, e seus parceiros – entre estes, diversas empresas patrocinadoras de material esportivo e meios de comunicação.

Muitos parlamentares, empresários e as próprias FIFA e a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) afirmam que a aprovação da lei é fundamental para a realização das olimpíadas e da Copa do Mundo no Brasil. Com a ajuda dos grandes jornais e canais de televisão, estes setores geram um sentimento de medo ao dizer que sem a aprovação da lei o país não sediará os eventos, o que geraria grandes perdas econômicas e sociais e na imagem do país no exterior. Este argumento tem sido utilizado para pressionar e, até mesmo chantagear o Congresso a fim de aprovar a legislação. Entre a população brasileira, este discurso serve para criar o falso consenso de que vale tudo pela Copa: autorizar violações dos direitos da população, endividar os estados e o governo federal para a construção de megaestádios de futebol, ignorar irregularidades de superfaturamento nas obras e denúncias de desvio de dinheiro público. Tudo em nome dos benefícios econômicos que o evento, que dura pouco mais de um mês, traria.

Os principais pontos críticos do projeto da Lei Geral da Copa se dão basicamente em sete pontos. O primeiro, na questão da Proteção da propriedade industrial, que trata dos pedidos de registro de marcas, emblemas e demais “símbolos oficiais” da Fifa junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). Na lei não há qualquer restrição ou definição sobre o significado do termo “símbolos oficiais”, que pode abranger qualquer imagem, ideia e até mesmo expressões linguísticas. A FIFA já requeriu registro de mais de mil itens, entre eles o nome das cidades-sede e até o numeral “2014”. O segundo ponto a ser destacado é os Direitos de imagem, som e radiodifusão, em que a FIFA é considerada “titular exclusiva” de todos os direitos a eles relacionados. Também as Áreas de restrição comercial que aparece no artigo 11 da lei implica uma proibição de venda ou exposição de quaisquer mercadorias ao redor dos estádios que não obtenham permissão expressa da FIFA. Isso gera forte impacto no comércio local e nos trabalhadores ambulantes. O artigo ainda sugere a possibilidade de demarcação de territórios de interdição, com a instalação das chamadas Zonas de Exclusão. Somente pessoas autorizadas teriam acesso a essas áreas, independente de haver escolas e hospitais, por exemplo.

Há pontos do projeto de lei que estão sendo discutidos mais amplamente na sociedade brasileira, como a Venda e preço de ingressos, que simplesmente ignora os direitos do consumidor. A proposta de lei oferece à FIFA amplos poderes para determinar tanto o preço quanto as regras de compra e venda, alteração e cancelamento de ingressos. A FIFA pretende suspender também parte do Estatuto do Torcedor, do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor, para anular o direito de meia-entrada para estudantes e idosos.

Mas os pontos mais obscuros, ainda, estão nos Novos Tipos penais, sanções civis e juizados especiais, em que o projeto de lei cria penalizações específicas para o evento, como os crimes de “Utilização indevida de símbolos oficiais”, “Marketing de emboscada por associação” e “Marketing de emboscada por intrusão”. Para quem infringir, terá penas de detenção e multa. A Lei Geral da Copa também permite criar juizados especiais, varas, turmas e câmaras especializadas somente para os eventos.. É como se instituísse uma Justiça paralela. Na Copa do Mundo na África, em 2010, foram criados mais de 56 Tribunais Especiais da Copa. Condenações de 15 anos por furto de uma câmera fotográfica e distinções entre turistas brancos e negros fizeram parte da lista de absurdos destes tribunais. Por fim, vale salientar o ponto do projeto sobre os Vistos de entrada e permissões de trabalho, que permite a liberação da entrada, no Brasil, para membros, funcionários, parceiros, convidados, delegados ou clientes da FIFA. É um item extremamente discutível no projeto de Lei Geral. Segundo o projeto, os contatos da FIFA precisariam apenas apresentar a credencial para conseguir vistos de entrada em território nacional, sem qualquer outro documento ou comprovação, comprometendo profundamente a soberania do estado brasileiro.

E os demais ônus para o Brasil não param por aí. A Lei Geral da Copa prevê que a União assuma qualquer responsabilidade por danos e prejuízos causados à FIFA. Ela responderá amplamente por “todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos eventos”. Ou seja: o Estado brasileiro torna-se o fiador da FIFA e dos negócios particulares dela.

O PL ainda está na Comissão Especial, que dará o parecer antes de encaminhar para o Plenário da Câmara dos Deputados. A última movimentação ocorreu em 14 de Dezembro. Agora, os demais membros da comissão possuem prazo para analisar o parecer do relator e se manifestar pela aprovação ou não do mesmo. A Lei Geral da Copa (PL 2330/11), que tramita na Câmara, também é prioridade para o governo, mas o texto ainda não está pronto na comissão especial que analisa a proposta. Falta resolver alguns pontos, como a liberação de bebidas alcoólicas durante os jogos da Copa e a venda de meia-entrada.

Reações à Lei Geral da Copa e demais desrespeitos aos direitos da população, em especial às comunidades que serão removidas para as obras do evento, têm sido esboçadas por movimentos sociais, setores universitários, órgãos e instituições de fiscalização e defesa de direitos. A sociedade não está omissa e nem pretende assistir passivamente a esse processo.

Nas doze cidades-sede dos jogos do Mundial, existem Comitês Populares se posicionando de maneira crítica a favor do esporte. Mas são contra sua utilização como desculpa para violações de direitos, mau uso de recursos públicos, criminalização da pobreza, limpeza étnico-social, mercantilização e militarização das cidades brasileiras.

Desde 2010, as entidades e movimentos sociais que integram os comitês populares compõem também uma Articulação Nacional Popular dos Megaeventos, em que produzem contrainformação e se mobilizam. Esta articulação nacional se reunirá em Porto Alegre de 21 a 23 de Janeiro, pouco antes do Fórum Social Temático (FST), para se organizar para o ano de 2012. A resistência à Lei Gera da Copa será uma das lutas deste ano.

Mais informações, veja no blog comitepopularcopapoa2014.blogspot.com Entre em contato com o Comitê Popular da Copa em Porto Alegre pelo e-mail comitepopularcopa.poa2014@gmail.com

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