quinta-feira, 17 de maio de 2012

Um ano de remoção da Vila do Chocolatão: o que há para comemorar?

No dia 12 de maio completamos um ano da remoção da Vila do Chocolatão. As pessoas que moravam nessa comunidade – antigamente situada na região central de Porto Alegre, ao lado do Parque Harmonia – foram removidas, sendo parte delas realocada para um assentamento popular na Av. Protásio Alves, 9099. Um ano depois da remoção: o que há para comemorar? 

Como era a Vila do Chocolatão?

A Vila do Chocolatão era uma pequena comunidade com cerca de 225 famílias que situava-se ao lado do Parque Harmonia e nos fundos dos prédios da Justiça Federal. Tinha como fonte principal de renda a catação, triagem e reciclagem do lixo produzido nos prédios da Justiça Federal e na região central de Porto Alegre. Projetos de saneamento, eletricidade ou água encanada não existiam, mas os moradores tinham acesso a escolas e postos de saúde.

O terreno, diziam, era da União e no dia 14 de janeiro de 2000 essa distribuiu Ação Reivindicatória[1], pedindo tanto a retirada imediata das pessoas daquela comunidade, quanto a indenização pela “ocupação ilícita”. A decisão, proferida por juízo federal, ordenou a retirada da comunidade e deu início a um processo público que durou mais de dez anos e culminou com a retirada das pessoas daquele terreno em 12 de maio de 2011.

Para onde foram com a Vila do Chocolatão?

Durante a construção do projeto, houve a criação de uma Rede de Cooperação para auxiliar no processo de remoção, tendo como participantes membros do Departamento Municipal de Habitação, da Secretária de Governança Local, de diferentes ONG’s, do Ministério Público Federal, o Tribunal Regional Federal da 4a Região e de alguns/mas moradores da comunidade. Contudo, a participação popular nessas reuniões ficou restrita aos olhares de membros da prefeitura, que muito mais intervinham e impunham sua opinião do que efetivamente ouviam e acolhiam as sugestões da comunidade. Ou seja, a esses/as moradores/as não lhes foi perguntado se efetivamente queriam sair de onde estavam, e, nem ao menos o que desejavam da nova moradia que lhes esperava.

Com a remoção da comunidade, muitas pessoas que moravam no centro não puderam mudar-se para a Nova Chocolatão. Isso porque o projeto realizado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre -e de acordo com o Termo de Compromisso firmado por essa perante o MPF- não contemplava as famílias que vivessem na Vila há menos de um ano e um dia. Assim, muitos/as moradores/as tiveram que abandonar suas casas, seus parentes, seus amigos/as e sua comunidade, tendo de submeter-se ao auxílio do aluguel social, que, no entanto, durou apenas seis meses. Hoje, ao caminharmos pelas ruas de Porto Alegre encontramos, facilmente, antigos/as moradores/as vivendo na rua. 

Habitação não é só casa, não!


Conforme o ensinamento da arquiteta Raquel Rolnik[2], um projeto de habitação não pode ser confundido com a entrega de casas. Habitação significa além de uma casa digna, acesso a serviços públicos que efetivem os direitos fundamentais. Deve também permitir que as pessoas sejam protagonistas no seu futuro, não sendo jogadas de um lado a outro da cidade, conforme o interesse do poder público.

Não é isso que vemos no processo de remoção da Vila do Chocolatão. A região do bairro Mário Quintana para onde foi realocada parte da comunidade, conforme laudo técnico elaborado pela seccional porto-alegrense da Associação de Geógrafos do Brasil[3] ao lado do GAJUP/SAJU-UFRGS, não contém equipamentos públicos de saúde, educação e assistência social em quantidade suficiente para atender as demandas da comunidade.

Em vista do despreparo da prefeitura para essa remoção, o Laudo também evidencia: desemprego. O trabalho dos recicladores da antiga Vila Chocolatão que era realizado no centro da cidade, não pode mais ser feito no local, pois naquela área a quantidade de lixo é menor, Hoje, a Comunidade possui um galpão de reciclagem, onde trabalham de 30 ou 40 pessoas associadas, cujo trabalho é igualmente árduo e a cada quinzena tem um pequena renda a ser dividida entre muitos trabalhadores.



Mas o que há para comemorar nesse aniversário de um ano? 

A remoção da Chocolatão obteve vários avanços em relação a outras, a destinação de casas para uma parte dos moradores da comunidade, a construção de um galpão de reciclagem e de uma creche no novo assentamento são conquistas da comunidade.

Mas não podemos fechar os olhos e acreditar que esse projeto é um modelo a ser seguido. É inadmissível que o projeto tenha sido elaborado sem a participação popular, que parte da comunidade tenha sido simplesmente colocada na rua, que não tenha sido garantido o acesso aos equipamentos públicos necessários para a garantia dos direitos fundamentais Por tudo isso, continuamos lutando!


[1] Ação de imissão na posse Nº 2000.71.00.000973-1, Justiça Federal (RS).
[2]  ROLNIK, Raquel. “Moradia e direito à dignidade”. Disponível em: www.metodista.br/cidadania/numero-35/moradia-direito-a-dignidade (visitado dia 11 de maio de 2012)
[3] Associação de Geógrafos do Brasil (AGB). Disponível em: viladochocolatao.blogspot.com (visitado dia 11 de maio de 2012)


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa considera Lei Geral da Copa inconstitucional


Em Carta Aberta enviada aos senadores e divulgada nas redes sociais, a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP), organizados nas 12 cidades-sede dos jogos, manifestou-se contrária às atuais propostas de mudança de nossa legislação contidas no Projeto de Lei de Iniciativa da Câmara (PLC) 10/2012, a chamada Lei Geral da Copa, que deverá ser votada nesta quarta-feira, dia 9, no Senado.

Segundo o documento, a Lei Geral é o carro-chefe de uma plataforma de ameaças a direitos e garantias arduamente conquistados pelo povo brasileiro, tais como os direitos do consumidor, o direito ao trabalho e o direito de ir e vir. O PLC 10/2012 ofende também as liberdades de imprensa, de informação e de expressão e fere o patrimônio público e cultural do país. Como amplamente denunciado, o projeto chega a prever a criação de novos crimes, apenas para garantir monopólio de mercados à FIFA e seus parceiros comerciais.

"A nosso ver, toda a concepção da Lei Geral é em si mesma um grande equívoco, tanto do ponto de vista político como jurídico. Em primeiro lugar, ela é ilegítima, porque, baseada meramente em contratos estabelecidos entre o Brasil e uma entidade privada, tem pouco ou nada a ver com o atendimento do interesse público. O Caderno de Garantias e Responsabilidades, que tem servido como sua principal justificativa, foi assinado em 2007 sem qualquer respaldo, discussão ou conhecimento da população. Apenas recentemente esses documentos vieram à público, demonstrando o grau de submissão do Estado brasileiro às exigências da FIFA."

A ANCOP exige que o trâmite do Projeto respeite o devido processo legislativo, passando pela análise detida e séria de todas as respectivas comissões temáticas, nas áreas em que apresenta impactos sociais e reivindica a abertura de espaço para participação democrática por meio de audiências, consultas públicas e avaliações técnicas. Rejeita, portanto, todo o discurso da urgência, destinado a inviabilizar a intervenção da sociedade em assunto de enorme relevância.

Veja AQUI a íntegra da nota enviada aos senadores

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Moradores criticam política habitacional da Prefeitura de POA

Por Rachel Duarte - Sul 21

O bairro Cristal, na zona Sul de Porto Alegre, está sendo atravessado por máquinas por todos os lados. A Avenida Tronco, uma das principais obras preparatórias da cidade para a Copa do Mundo de 2014, e o Projeto Integrado Socioambiental (Pisa) são os responsáveis pelas intervenções na região. Os benefícios das duas iniciativas são reconhecidos pelas autoridades e moradores — porém, não há consenso quanto aos interesses do poder público e da população. Na noite desta quarta-feira (2), as entidades de moradores da região se uniram na plenária do Orçamento Participativo para cobrar da Prefeitura de Porto Alegre a regularização fundiária nas áreas atingidas com as obras. Segundo os moradores, as casas estão sendo varridas do trajeto das grandes obras sem a garantia de uma nova moradia. Em troca das futuras casas, a Prefeitura concede uma ‘bolsa moradia’ no valor de R$ 52 mil, considerado irrisório pelas famílias.


A oferta é uma medida paliativa, já que houve problemas na licitação da obra da Avenida Tronco, justificou o prefeito. Segundo ele, a Caixa Econômica Federal não aceitou a empresa contratada para a construção dos loteamentos para reassentamento das 1,4 mil famílias que terão que deixar a área. “Estamos refazendo a licitação para construção de mil unidades habitacionais. Está em andamento. Nosso compromisso é, assim que estivermos terminado a licitação, ver com as famílias os lotes e as casas onde irão morar. Parte das famílias, cerca de 600, já receberão o bolsa moradia para deixar as casas agora porque, como atrasou, teremos que fazer a obra sem os apartamentos estarem prontos”, admitiu Fortunati.
Entidades cobraram da Prefeitura de Porto Alegre a regularização fundiária nas áreas atingidas com obras da Copa 2014 e do Pisa | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
























O prefeito salientou que as obras precisam acontecer de forma célere para que Porto Alegre não perca os recursos federais destinados a construção da Avenida Tronco. Mas reforçou que, “nenhuma família da sairá do Cristal sem previsão da futura moradia ou o aluguel social”.
Até o momento, a Prefeitura adquiriu 20 terrenos no bairro Cristal. Destes, 17 foram indicados pela Comissão de Moradores da Vila Cristal e Divisa e, outros três, adquiridos pelo governo na Avenida Jacuí. Os terrenos são poucos para atender as 482 famílias cadastradas na região, alegam os moradores. Além disso, as unidades serão feitas com recursos do Minha Casa, Minha Vida, o que poderia ser feito independente da licitação da construção da nova avenida.

"Eles querem começar a obra no final de maio e as casas nem foram construídas. Como terá aluguel para tantas famílias?" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Porque não foi feito isso antes? Não temos onde morar. É tudo sempre na intenção com este governo. Eles querem começar a obra no final de maio e as casas nem foram construídas. Como terá aluguel para tantas famílias? Não é só o Cristal. A Avenida Tronco afetará também a Vila Cruzeiro e a Vila Tronco. Para onde vai toda essa gente?”, questiona a representante da Comissão de Moradores da Vila Cristal e Divisa, Noeli Ferreira.
A comissão acompanha as reuniões para a realização das obras na região e cobra a falta de inclusão da comunidade nas decisões. Das 25 assembleias que a Prefeitura diz ter realizado para negociar com os moradores e orientar sobre o andamento das obras, apenas cinco foram efetivamente realizadas. “E por pressão nossa. Nós trancamos o cadastro do Departamento Municipal de Habitação para eles poderem vir nos atender”, conta Noeli.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Colocar a vida humana em risco é ou não é crime de responsabilidade?

Em agosto de 2011,  em uma ação de irresponsabilidade, falta de fiscalização e em função das grandes obras da copa e a pressa por acelerar o projeto socioambiental (Pisa), atrasado há 8 anos, a prefeitura de Porto Alegre executou obras para copa do mundo na capital gaúcha, porém, concordou ou desconhecia as mudanças no projeto original promovido pelas empresas que executam as obras. O resultado foi o acidente na obra de construção da Estação de Bombeamento de Esgoto, no bairro Hípica em Porto Alegre, e teve como consequência, a morte de dois operários e outros nove feridos.

Ainda em 2011 as obras do socioambiental e suas máquinas atingem moradias na comunidade Nossa Senhora das Graças. Mais uma vez vidas humanas são colocadas em risco. Algumas famílias ainda hoje convivem com rachaduras em suas residências, outras aceitaram as condições impostas pela prefeitura, saíram de suas casas e foram morar em outras regiões da cidade, sabe-se lá em que condições humanas. O quarto de uma das residências localizada em frente ao núcleo São Francisco da Creche Nazaré, que fica na comunidade Nossa Senhora das Graças, atingidas pelas obras. A rachadura de 20cm separa o telhado da parede e o piso da cozinha está cedendo.


No dia 16 de Abril de 2012, outro ato de irresponsabilidade da prefeitura de Porto Alegre, casas habitadas no bairro Cristal foram atingidas por uma máquina do Departamento Municipal de Agua e Esgoto (DMAE), noticia do  jornal virtual Sul21.


Por vontade dos moradores atingidos, o caso foi levado a justiça mesmo contra a vontade do poder público, que propôs acordo para continuar a obra e evitar mais uma repercussão negativa sobre irregularidades nas obras, mais uma vez praticadas. Diante deste quadro, a juiza Lílian Cristiane Siman, da 5ª Vara do Foro Central, paralisou totalmente as obras do Programa Socioambiental da Prefeitura de Porto Alegre. 


A obra, na Avenida Icaraí, zona sul da cidade, foi embargada pela justiça após a ação promovida por moradoras que tiveram suas casas atingidas pelo trabalho de uma máquina do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) no dia 16 de abril. Os danos, em duas residências, ocorreram após a prefeitura mudar a rota das escavações no solo por debaixo das casas, chamada de Emissário Subterrâneo, além de omitir e não comunicar a ação aos moradores. A prefeitura e a construtora erraram nos cálculos e nas previsões, e essa ação irresponsável poderia ter atingido a integridade física dos moradores de forma gravíssima, já que estes se encontravam no local no momento em que o pátio da residência simplesmente desabou (Av Icaraí, 1512). 


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QUEREM NOS DESPEJAR. E AGORA?

Por Andrea Dip - Blog Copa Pública

A Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada criou guias para moradores de comunidades ameaçadas por remoções e também para quem vai participar das operações de despejos.




Neste mês o governo brasileiro completa um ano de silêncio diante de compromissos anunciados à Relatora Independente das Nações Unidas sobre o Direito a Moradia Adequada, Raquel Rolnik, com relação às remoções e reassentamentos de famílias afetadas pelos preparativos para os megaeventos. Segundo informações da relatoria, em maio de 2011 o governo brasileiro havia se comprometido a criar um Grupo de Trabalho para acompanhar o processo das remoções e também um protocolo federativo sobre esse tema e ainda nada foi feito.

“Não sabemos até hoje quantas pessoas serão removidas, para onde elas serão levadas, aonde estão esses projetos. Nada disso existe disponível nem no Rio de Janeiro e em nenhuma das 12 cidades-copa, até porque boa parte dos projetos nem existem” disse a Relatora Especial durante o lançamento do Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro.

Para esclarecer moradores em situação de risco de expulsão sobre seus direitos, a relatoria criou o folheto “Querem nos expulsar. E agora?” que explica como e onde procurar ajuda, o que é o direito à moradia, como devem acontecer as negociações e como denunciar abusos e violências. Em paralelo, lançou também o guia “Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções?” para orientar autoridades e gestores públicos, técnicos de engenharia e arquitetura, empreendedores imobiliários e empresas contratadas para obras públicas.

Segundo Joyce Reis e Vitor Nisida, do núcleo de apoio à Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada, o material serve para lembrar os dois lados (sociedade e governo) de que normas e padrões internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, especialmente no que se refere ao direito à moradia adequada, devem ser respeitados em qualquer circunstância: “Infelizmente, os investimentos públicos nos projetos de preparação para a Copa e as Olimpíadas têm colaborado com a violação deste direito humano, provocando remoções, às vezes, violentas. Aqui no Brasil, estamos perdendo a oportunidade de investir no desenvolvimento de nossas cidades e na proteção dos direitos mais básicos dos cidadãos para construir elefantes brancos e fazer obras que despejam inúmeras famílias de suas casas”. Remoções e despejos forçados deveriam acontecer apenas quando não existem mais alternativas, lembram Joyce e Vitor, ressalvando que nestes casos o direito à moradia deve ser assegurado antes de ser feita a remoção.

Sobre a distribuição dos informativos, o núcleo explica que já está sendo feito um trabalho de divulgação para prefeituras, secretarias estaduais e federais, órgãos do setor judiciário, empresas que executam grandes obras há algum tempo: “Em 2011, algumas entidades tais como defensorias Públicas e ONGS reimprimiram os materiais para distribuir entre as comunidades ameaçadas de remoção. Este ano, com ajuda de parceiros, pretendemos reimprimi-los para distribuir entre comitês populares das cidades sede da Copa”.

Qualquer um pode imprimir e divulgar o guia e o folheto. É só baixar os arquivos no site da relatoria ou diretamente aqui:

Querem nos despejar. E agora?
Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções?

Copa do Mundo: está em curso um processo de “higienização” no Rio de Janeiro

O legado da Copa “será a militarização da cidade para proteger os lucros, com leis de exceção para dar segurança à Fifa e ao Comitê Olímpico Internacional”, diz o membro do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro.

O dossiê exclusivo feito pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro “ultrapassa a denúncia e demonstra o projeto de desenvolvimento, o projeto de cidade que está presente nesta forma de conduzir as políticas públicas”, declara Hertz Leal à IHU On-Line. Segundo ele, a distribuição dos investimentos da Copa do Mundo “segue a lógica da especulação imobiliária, ou seja, concentra-se na Barra da Tijuca, onde o prefeito foi subprefeito”.

Leal reitera que os preparativos para a Copa do Mundo e as Olímpiadas desrespeitam os direitos humanos e a legislação prevista na Constituição, na Lei Orgânica e no Estatuto das Cidades. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele relata as irregularidades que estão ocorrendo no Rio de Janeiro por conta das desapropriações de terras, transferências de terras públicas para setores privados, e as arbitrariedades cometidas pelo poder público. De acordo com ele, as pessoas que tiveram suas terras desapropriadas foram deslocadas para conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida que distam de 30 km e 60 km do local onde moravam. “O correto seria construir os conjuntos habitacionais antes das remoções e no local onde ocorrem as intervenções urbanas, para garantir a continuidade dos estudos das crianças nas mesmas escolas, o tratamento dos idosos nos mesmos postos de saúde, a convivência com a rede de parentesco e de amigos que, em muitos casos, providenciam a solidariedade e os cuidados necessários às crianças, aos idosos e aos doentes”.

Leal enfatiza que, apesar da existência de terras públicas em abundância no estado do Rio de Janeiro, o governo não constrói moradias sociais e oferece “aluguel social ou Minha Casa Minha Vida na zona oeste”, a qual, segundo afirma, “é dominada por milícias”. “Tivemos notícias de conjuntos habitacionais invadidos por estes grupos, além de notícias de que em muitos destes conjuntos são as milícias que organizam os condomínios. Nas eleições, estas milícias ajudam eleger os vereadores que corroboram esta política de higienização da cidade para os negócios olímpicos e os negócios da Copa da Fifa”.

O processo de higienização da cidade, conforme ele relata, ocorre também na região sul, no centro e no entorno do Maracanã. Por causa do “maior rigor nas cobranças dos serviços de energia elétrica, TV a cabo, água e aumento dos aluguéis”, torna-se “insustentável a moradia para os trabalhadores que ganham até três salários mínimos”.

Hertz Leal estudou no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mas não concluiu o curso e foi ser quiosqueiro na praia de Ipanema. Segundo ele, a prefeitura retirou sua permissão para dar a concessão a uma empresa que detém todos os quiosques da orla marítima do Leme ao Pontal. “Fui expulso por não aceitar os contratos abusivos da concessionária Orla Rio, então retornei à atividade política com a cooperativa Orla Legal e participo do Movimento Unido dos Camelôs – MUCA e do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas desde o início em meados de 2010”. Atualmente Leal trabalha como funcionário público federal.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as novidades apresentadas no dossiê organizado pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro? 

Hertz Leal – A novidade é o aprofundamento das análises, pois o nosso Comitê vem da experiência do Comitê Social do Pan. Eu participava do Conselho Popular, uma entidade que se reúne na Pastoral de Favelas e conta também com a Rede de Comunidades Contra a Violência, e principalmente com as pessoas que estão sendo atingidas pelas remoções no Rio de Janeiro. No início de 2010, as remoções ocorriam em razão das chuvas do dia 6 de abril, quando várias pessoas ficaram desabrigadas. Mas, já no final de 2010, começaram a ocorrer as remoções por causa da construção da via Transoeste. A prefeitura começou a derrubar as casas das pessoas à noite, com tudo dentro: chegava a equipe do Choque de Ordem e mandava as pessoas saírem, não reconheciam direito algum, diziam que era área pública, que as residências eram ilegais e derrubavam tudo. Quando havia resistência, a Guarda Municipal arrancava as pessoas de suas casas, das suas lojas. Da Barra da Tijuca para o Recreio, eles aterrorizaram.

Existia uma Defensoria atuante, o Núcleo de Terras e Habitação – NUTH. Foram feitas várias denúncias. Foi encaminhada uma medida cautelar para a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA. O Comitê Popular da Copa ajudou a organizar a Missão da Plataforma Dhesca em maio de 2011, quando fomos visitar estas comunidades que estavam sendo arrancadas para construção da Transoeste e Transcarioca, além das remoções no Porto Maravilha (centro) e no Tabajaras (zona sul). O Dossiê parte desse relatório, mas temos diversas contribuições tais como a análise das leis de exceção, a modificação do Maracanã, a falta de transparência na apresentação dos dados, projetos e estudos de impactos ambientais e de vizinhança. O dossiê ultrapassa a denúncia e demonstra o projeto de desenvolvimento, o projeto de cidade, que está presente nesta forma de conduzir as políticas públicas.

IHU On-Line – Em que sentido os preparativos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas estão violando os direitos humanos? Pode nos relatar alguns casos?

Hertz Leal – Os preparativos para Copa do Mundo e Olimpíadas estão violando os direitos humanos na medida em que não respeitam o direito à moradia, o direito à cidade, pois temos uma legislação muito bem definida desde a Constituição, a Lei Orgânica, o Estatuto das Cidades, tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário. Ou seja, temos leis que determinam, em caso de desapropriação por interesse público, uma indenização justa e prévia. Mas deve-se considerar a moradia como um direito independente de propriedade; deve-se buscar o entendimento e o reassentamento no mesmo local. Depois desses escândalos e sucessivas denúncias, eles continuam oferecendo aluguel social num valor que não dá condições para alugar uma casa na mesma região. A maioria das casas oferecidas dos conjuntos Minha Casa Minha Vida distam de 30 a 60 km do local original, quando o correto seria construir os conjuntos habitacionais antes das remoções e no local onde ocorrem as intervenções urbanas, “chaves por chaves”, para garantir a continuidade dos estudos das crianças nas mesmas escolas, o tratamento dos idosos nos mesmos postos de saúde, a convivência com a rede de parentesco e de amigos que, em muitos casos, providenciam a solidariedade e os cuidados necessários às crianças, aos idosos e aos doentes. Esses casos de desapropriação são parte das violações. Devemos ressaltar ainda as perseguições aos camelôs, a precarização do trabalho nas construções dos estádios e outras infraestruturas, o recolhimento compulsório das pessoas em situação de rua para abrigos distantes e sem uma adequada estrutura de atendimento.

Estamos preocupados com as leis de exceção que estão sendo criadas no intuito de conceder direitos de propriedade a marcas e símbolos que são utilizados naturalmente pelos comerciantes informais, ou seja, por aqueles que confeccionam lembranças da cidade e dos jogos e que não poderão ser utilizados. Pelo contrário, serão criminalizados caso alguém queira vender alguma lembrança da Copa do Mundo ou Olimpíadas. Também haverá limitação na liberdade de manifestação e comunicação.

IHU On-Line – O dossiê denuncia a transferência de terras públicas para o setor privado através de parcerias público-privadas. Como isso está acontecendo?

Hertz Leal – Quanto à transferência de terras públicas, que deveriam ser preferencialmente utilizadas para construção de moradias de interesse social, o caso mais emblemático é o do Porto Maravilha, uma região com terrenos e prédios da administração portuária e da RFFSA. Mais de 70% da região é constituída de terras públicas que estão sendo repassadas para um consórcio de empreiteiras. Foi criado o Certificado de Potencial de Construção – CEPACS, que permite construir acima do gabarito, e a Caixa Econômica terminou comprando estes certificados com os recursos do FGTS. Trata-se de um valor mobiliário que poderá ser vendido no futuro para que o construtor possa obter licença para construir acima do gabarito. Mas a prefeitura não demarcou áreas de interesse social, nem exigiu a construção de moradias de interesse social. Pelo contrário, ainda está aterrorizando moradores do Morro da Providência para construir teleférico e plano inclinado. Para isso terá de destruir mais de 800 moradias. Apesar de terras públicas em abundância, não constroem as moradias, oferecem aluguel social ou Minha Casa Minha vida na zona oeste. A região da zona oeste é dominada por milícias e tivemos notícias de conjuntos habitacionais invadidos por estes grupos, além de notícias de que em muitos destes conjuntos são as milícias que organizam os condomínios. Nas eleições, estas milícias ajudam eleger os vereadores que corroboram esta política de higienização da cidade para os negócios olímpicos e os negócios da Copa da Fifa.

IHU On-Line – O dossiê também menciona que os recursos da Copa do Mundo estão sendo distribuídos desigualmente entre os 20 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro. Como acontece a distribuição dos recursos? Existe algum critério? Em que regiões do Rio de Janeiro se concentram os maiores investimentos da Copa do Mundo?

Hertz Leal – A distribuição dos investimentos segue a lógica da especulação imobiliária, ou seja, concentra-se na Barra da Tijuca, onde o prefeito foi subprefeito, e, como se trata da região do litoral, tem a preferência da classe média, onde são construídos os condomínios de luxo. O mapa da Unidade de Polícia Pacificadora – UPPs também contempla as regiões de investimentos para os megaeventos: a região sul, o centro e a região do Maracanã, embora os investimentos sociais (UPP social) ainda continuem nas promessas. Observamos principalmente a expulsão branca por conta do maior rigor nas cobranças dos serviços de energia elétrica, TV a cabo, água e aumento dos aluguéis. Quer dizer, tornaram insustentável a moradia para os trabalhadores que ganham até três salários mínimos. Também continuam as políticas de expulsão ora alegando risco ou limites de preservação ambiental. Eles também perseguem os depósitos dos ambulantes e os pequenos comércios.

IHU On-Line – Quais as implicações de megaeventos como a Copa do Mundo e das Olimpíadas? Eles trazem mais benefícios ou prejuízos para a cidade?

Hertz Leal – A Copa do Mundo e Olimpíadas são eventos que estão possuídos de uma lógica capitalista em que o objetivo maior é fazer lucros com publicidade na transmissão para a Fifa e o Comitê Olímpico Internacional – COI, que se associam com interesses da especulação imobiliária, capitais financeiros, com as corporações midiáticas e políticos que compartilham desses lucros para aumentarem os ganhos, pois realmente não percebemos melhoria nas atividades esportivas nas escolas nem melhoria na educação, tampouco na saúde. Percebemos que o legado será a militarização da cidade para proteger os lucros, com leis de exceção para dar segurança à Fifa e ao COI. Querem até que a União se responsabilize por eventuais prejuízos. Depois sobrarão dívidas para os cidadãos pagarem e provavelmente vão receitar austeridade e mais supressão de direitos para continuar garantindo as vantagens para os banqueiros, corporações e especuladores.

Vamos levar nossa experiência para a Cúpula dos Povos e discutir os caminhos do desenvolvimento que estão propostos nestes megaeventos, nesses megaprojetos e vamos buscar soluções e propostas para uma sociedade mais justa e com participação de todos.