segunda-feira, 30 de julho de 2012

Injustiça Urbana: Aluguel Social como política higienista

A Prefeitura Municipal de Porto Alegre, assim como várias pelo Brasil afora, está utilizando o Aluguel Social como meio de viabilizar a retirada de famílias dos locais onde haverá intervenções urbanas devido aos megaeventos, Copa e Olimpíadas. No que consiste esta política? Para o DEMHAB (Departamento Municipal de Habitação), “o Aluguel Social é um recurso assistencial mensal destinado a atender, em caráter de urgência, famílias que se encontram sem moradia. É um subsídio concedido por cinco meses. A família beneficiada recebe uma quantia equivalente ao custo de um aluguel popular.”
‘Famílias que se encontram sem moradia’ não é, definitivamente, o caso das 1.500 famílias que residem no entorno da duplicação da Av. Tronco. Pelo contrário, a maioria delas reside nestes territórios há décadas. Construíram suas moradias, na maioria dos casos, durante anos e na medida em que a família foi aumentando e a renda permitindo.
A Prefeitura não tem falado abertamente sobre o uso do Aluguel Social. Inclusive o prefeito Fortunati se comprometeu publicamente na assembleia do OP da região Cristal, em maio, por conta da pressão popular e para confundir, “dando ao povo o que ele quer”, que a saída das famílias seria Chave por Chave, lema da campanha iniciada pelo Comitê Popular da Copa Cristal este ano. No entanto, nos bastidores, em conversas com assessores comunitários e na Reunião do Fórum de Planejamento das regiões 5 e 6, ocorrida dia 20 de agosto, foi dito claramente que as famílias que não aceitarem o Bônus Moradia, de 52 mil reais, optando por aguardem a construção dos prédios do Minha Casa, Minha Vida - MCMV, terão que ir para o aluguel social. Hoje este “benefício” é de 500 reais e cada família tem que encontrar a nova moradia provisória.
O Comitê Popular da Copa tem defendido que a forma como o poder público municipal está conduzido este processo é uma violação do direito humano fundamental à moradia na medida em que há risco de despejo, mesmo que feito por um atendimento assistencial. Despejo ou remoção forçada, do ponto de vista dos direitos humanos, não significa somente a perda da moradia, mas a expulsão do bairro, da vila onde a família construiu sua história e relações sociais. Além disso, há relatos de moradores sobre pressões e ameaças que os agentes de governo para que as famílias se decidam pelo Bônus ou Aluguel Social.
O papel do Aluguel Social na construção do modelo
O conceito e as práticas em torno do Aluguel Social são exemplo dos descompassos entre o planejamento municipal e a legislação federal, incluindo aí o Plano Nacional de Habitação.
No Plano Nacional de Habitação (PlanHab), publicado em dezembro de 2009 pelo Ministério das Cidades - Secretaria de Habitação, a Locação Social é vista como instrumento de “promoção pública de unidades habitacionais em centros históricos e áreas urbanas consolidadas” (pag. 146, grifo nosso). O PlanHab é um instrumento da Política Nacional de Habitação, instituída com a Lei 11.124/05. Com os Megaeventos e programas federais, principalmente o MCMV, o Aluguel Social está servindo para facilitar as remoções. A possibilidade de utilização de prédios abandonados, geralmente localizados nos centros, nunca foi sequer mencionado como alternativa.  
Segundo o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, o déficit de Porto Alegre é de 38.572 moradias e a demanda de regularização fundiária é de 75.656 domicílios (levantamento da PMPA/2000). De acordo com o IBGE/Censo 2010, a capital gaúcha tem 48.635 imóveis vagos de um total de 574 mil imóveis. 
Mesmo considerando que estes números do levantamento da PMPA de 2000 podem vir a ser ajustados com as novas informações do censo 2010, não se pode deixar de destacar a contradição de se gastar dinheiro construindo novas habitações e, principalmente pagando Aluguel Social, enquanto existem 48.635 domicílios particulares vagos para uma demanda oficial de 38.572. Claro que com certeza nem todos estes imóveis vagos seriam adequados para a resolução do déficit, mas o mínimo que se deve pensar é sobre uma estrutura fiscal e jurídica (já sinalizada pelo Estatuto das Cidades/2001) capaz de cobrar destes proprietários a função social da propriedade. Portanto, mesmo que a Prefeitura não utilize diretamente estes imóveis para a solução do problema, eles poderiam não só financiar pelo menos parte das novas construções (por conta dos instrumentos fiscais) como também, ao serem colocados no mercado, baixar o preço e das habitações. Além disso, caso se efetive o Aluguel Social para 1.000 famílias, o custo por ano será em torno de 6 milhões de reais. Quantas unidades habitacionais poderiam ser construídas com este valor?
Leis e Planos bem intencionados não faltam no Brasil, mas as práticas têm sido regidas pelo princípio dos capitalistas: obter lucro. A produção das cidades é uma das maneiras de fazer isso. Nesses termos, e com governos bons em construir leis e fazer discursos trabalhadores pobres é a primeira a sofrer o golpe. Como a terra é um bem cada vez mais valorizado e o modelo de cidade atual é o que separa as classes por territórios, as remoções, os reassentamentos e mesmo a regularização fundiária, servem para transformar, de vez, a moradia em mercadoria.
Os Megaeventos – Copa e Olimpíadas – são as desculpas que faltavam para os governos que estão a serviço da especulação imobiliária e da construção civil realizarem a higienização social de áreas centrais ou subvalorizadas. Segundo Ermínia Maricato, “A relação entre empreiteiras de construção, a viabilidade de grandes obras viárias (cujo prazo deve manter uma lógica em relação aos prazos eleitorais) e as doações para financiamentos de campanhas eleitorais parece ser uma chave que explica muito do investimento público nas cidades” (O Impasse da Política Urbana no Brasil, 2011, p. 81).

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