quinta-feira, 20 de março de 2014

Vila Dique Resiste! Moradores, com apoio do Comitê Popular da Copa, fazem mutirão de autoconhecimento para organizar a luta

Fotos da matéria: Cristina Nascimento/ Produtora CVP 


Moradores da Vila Dique e integrantes do Comitê Popular da Copa Porto Alegre fizeram um mutirão no domingo (16/03), iniciando um levantamento de dados sobre as famílias  que permanecem na comunidade. Estima-se que ainda vivam no local cerca de 600 famílias, que não foram levadas pela prefeitura de Porto Alegre para o novo loteamento - o Porto Novo, na Av. Bernardino Silveira Amorim, local para onde foi transferida uma parte das famílias da Dique.


O trabalho começou pelas 10h e prosseguiu durante a tarde. Grupos mistos, com moradores da vila e integrantes do Comitê, passaram de casa em casa para preencher um breve questionário, que pretende ter um panorama básico das familias que vivem ali e, principalmente, saber qual o destino que cada família pretende para sua vida. Definir a opção de cada família de ir para o novo reassentamento ou lutar por melhores condições para permancer no local é considerado, pela comunidade, importantíssimo para a organização comunitária. As famílias têm buscado na organização comunitária a forma de conquistar seus direitos e mais dignidade.

Os moradores receberam bem a iniciativa do levantamento de informações, que foi pensada pela própria comunidade, a qual está bastante insatisfeita com a postura da prefeitura. O governo municipal removeu parte das famílias da Vila Dique de forma apressada e desrespeitosa, com o discurso da duplicação da pista do Aeroporto Salgado Filho, que nunca vai ser efetivada. Deixou as demais familias em condições precaríssimas, sem posto de saúde, creche ou qualquer assitência do Estado.

Além de realizar o mutirão, a comunidade da Vila Dique decididu que era preciso buscar informações oficiais junto à prefeitura, que sempre são escondidas do povo e servem como estratégia de desarticulação das pessoas. Nesse sentido, a comissão de moradores e o Comitê Popular da Copa entregaram ao DEMAHB (Departamento Municipal de Habitação) um requerimento formal de pedido de informação pela Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso a Informações Públicas, em que exige que, em 20 dias, a prefeitura repasse os dados do cadastro socioeconômico feito na comunidade em 2005 e o projeto das casas, para onde diz que irá levá-los.


O conto da duplicação da pista do Salgado Filho

Logo que Porto Alegre foi anunciada como uma das sedes da Copa do Mundo FIFA, a prefeitura, com o apoio da INFRAERO, aproveitou para efetivar a obra de duplicação da pista do Aeroporto Salgado Filho - que já vinha sendo pensada há anos. Um dos empecilhos para isso, segundo os governos, eram as famílias que viviam na beira do aeroporto, a Vila Dique - uma vila que fica na entrada da cidade e que existe há mais de 40 anos.

Remover os moradores foi a primeira "obra da Copa" na Capital gaúcha, em 2011. Um loteamento com habitações populares do Programa Minha Casa, Minha Vida foi construído do dia para a noite na Av. Bernardino Silveira Amorim, atrás do sambódromo de Porto Alegre, na Zona Norte.



Todos os problemas advindos da correria, da falta de planejamento e do desrespeito ao direito das pessoas, que há anos denunciamos, foram vistos nesse processo: falta de informação e de critérios na ordem de remoção, casas pequenas, mal construídas; cadeirantes vivendo precariamente porque as casas adaptadas não foram aprontadas a tempo; não havia escola e nem posto de saúde; empreiteira contratada faliu e "sumiu" com parte do dinheiro, abandonando a obra pela metade. Assim cerca de 630 famílias que foram para o novo reassentamento viveram por cerca de 4 anos. Uma remoção que não respeitou as crianças, as quais perderam o período letivo; mulheres e homens, que perderam seus laços de apoio e de famílias, empregos e sua fonte de renda. Uma remoção que desrespeitou as diferenças e colocou em situação humilhante cadeirantes e idosos que ficaram, por longos períodos, longe de seus cuidadores. 


A pressa era tamanha que cerca de 20 casas de passagem foram colocadas no novo reassentamento. Após diversas denúncias e pressão do Comitê e de organizações dos direitos humanos, a prefeitura retirou as casas de passagem para a visita da Relatora da ONU para a Moradia Adequada, Raquel Rolnik, que fez ecoar as denúncias internacionalmente.    

VEJA AQUI o vídeo feito na época pelo Comitê Popular da Copa Porto Alegre


E a Vila Dique com isso?

A obra de duplicação da pista do aeroporto é uma incógnita. Últimas notícias que saíram na grande imprensa relatavam que a licitação para a obra seria lançada no início deste ano - após a INFRAERO adiar a publicação da concorrência três vezes nos últimos meses. Ainda se cogitou a contrução de um novo aeroporto, na cidade de Nova Santa Rita, na grande Porto Alegre. No meio de tanta indefinição, a prefeitura parou com a remoção das famílias restantes da vila. Segundo dados informais, cerca de 600 famílias ainda permanecem ao longo da avenida Vila Dique, sem asfalto e iluminação pública na rua, sem creche e posto de saúde (que foram transferidos ao novo loteamento), com esgoto a céu aberto, água e energia elétrica fracas e que faltam nos picos de consumo.

Parte das famílias que ficou sofre ainda com mais uma situação: a prefeitura está colocando, em prática, a lei que proíbe o tráfego de carroças na cidade. Essas pessoas são catadoras e sustentam suas famílias com a reciclagem de materiais renováveis. Ao contrário do que muitas pessoas argumentaram na época, de que a aprovação da lei servia para o bem estar animal, dificilmente encontramos cavalos mal cuidados na Vila Dique. Pelo contrário: há muita preocupação dos catadores, e inclusive resistência, em entregar ou vender à prefeitura os animais aos quais eles têm uma relação de sobrevivência mas, também, sentimental.



Além disso, moradores relatam que no loteamento Porto Novo, para onde foram as famílias anteriores, a prefeitura colocou o limite de um animal de estimação por moradia, sendo que muitas delas criam animais que lhes fornecem alimentos e são parte da sustentabilidade econômico/social da família. As habitações também são pequenas e, em alguns casos, não há espaço nem mesmo para um carro da família ou pátio para estender roupas. Muitos não querem esse destino; pretendem melhorar sua condição de vida no local e construir juntos uma "Nova Vila Dique", que tenha lugar para a sua diversidade, geração de renda, lazer, para seus jovens e crianças, para TODOS viverem de forma digna e emancipada. 


Mas o caminho é longo e é preciso o apoio de todos os que lutam para conseguirmos construir uma cidade mais justa e inclusiva. Isso se dá da vila pro asfalto e do asfalto pra vila; é uma troca constante e cotidiana. Nessa caminhada, vamos construindo coragem e projetando ferramentas para a luta nunca parar.

Comitê Popular da Copa Porto Alegre

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